terça-feira, 2 de setembro de 2008

Com a palavra...

"O Brasil precisa de um modelo para o desenvolvimento cultural"

A discussão sobre o passado, o presente e o futuro da Lei Rouanet está na rua. Veio à tona depois de longo período de letargia total, quando as críticas ou a ausência de críticas adormeciam no mais fundo oceano. Vez em quando alguém acordava aí - é verdade - botando a cabeça pra fora, mas infelizmente para falar só, deserto no imenso vazio da superfície do mar. Sem conseqüências, sem eco, essas vozes se evaporavam para chover em lugar nenhum.

Agora, não. Agora a coisa pegou fogo e ardem nas chamas do debate as teses e análises mais antagônicas, oscilando sem trégua entre o céu e o calor do inferno, entre anjos e demônios, esquentando os tijolos, assando o assado, cozinhando o novo prato a ir à mesa… Se não faltar gás no fogão do Ministério da Cultura.

Por trás, a velha discussão sobre o modelo de desenvolvimento. Afinal de contas, onde andava mesmo essa discussão?

Vamos ao remember.

Qual era o debate no início dos anos 90? Tempos de domínio neoliberal no Brasil e na América Latina? Tempos de fim da história? Tempos de Estado Mínimo? O debate era qual o modelo de desenvolvimento que poderia tirar o país da crise inflacionária, do atoleiro da dívida externa, da submissão ao mercado financeiro internacional, da subserviência à cartilha do FMI, dos interesses privatistas. Não era essa a discussão?

E quem se opunha ao modelo neoliberal?

Ora, quem se opunha era a esquerda brasileira que tinha na vanguarda o PT de Lula, então candidato derrotado por Collor, PT esse que surgia para o Brasil como a grande esperança de redenção das massas populares, dos trabalhadores, dos pobres, dos fracos, oprimidos e excluídos.

Esse foi o período em que o PT passou a governar várias das principais capitais e muitas cidades importantes em todo o país. E nestas cidades estava em curso o incremento da participação do Estado – dos governos locais – no processo de desenvolvimento cultural.

Afinal de contas, os anos 80, a revolução nas comunicações, o incremento do tempo livre da era contemporânea e até mesmo a globalização deram ao setor cultural, no mundo inteiro, um novo e alentador espaço de crescimento e efervescência. Fato que repercutia no âmbito local com o crescimento da demanda por maior presença, participação e investimento do setor público.

É isso. Passou a existir maior cobrança geral pelo incremento de políticas públicas de cultura, embora esse conceito, à época, ainda não estivesse tão elaborado quanto parece estar hoje. Desejo social este que se traduziu na criação de secretarias de cultura, fundos de cultura, programas de descentralização da cultura e especialmente instrumentos de participação em várias das nossas cidades, particularmente naquelas governadas pelo PT, onde essa presença do Estado era convergente com os ideais de fortalecimento do mesmo, em oposição às pretensões neoconservadoras do liberalismo.

São testemunhas deste momento cidades como Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, Belém do Pará, São Paulo entre várias outras do interior e nas regiões metropolitanas, especialmente no ABC paulista, onde o “jeito petista de governar” gerou novos instrumentos de gestão e participação do Estado no investimento cultural.

Esse é o mesmo período em que a Lei Federal de Incentivo oscilou entre a Lei Sarney, a crise do Governo Collor, o surgimento da solução Rouanet e a ascensão de FHC à Presidência e de Wefort ao Ministério da Cultura. Só que, desse lado do balcão, estavam então, os “neoliberais” com seu modelo importado de desenvolvimento, supostamente mais moderno, menos dogmático, com menor ou nenhum preconceito com o mercado, sem nenhuma ilusão de incremento dos investimentos diretos, ou seja, dos recursos orçamentários formais.

De um lado estavam os que desejavam que o Estado assumisse de vez sua importância e presença indispensável no processo de desenvolvimento cultural do país com mais orçamento e investimento diretos em cultural, com controle e participação pública, e, de outro, os que desejavam um modelo mais liberal, de associação entre os interesses de Estado e os interesses do mercado, de menor “intervencionismo estatal”.

Vinte anos já se passaram, FHC ficou oito anos até 2003, o PT chegou ao Governo Federal e já está lá há 5,5 anos, e, por incrível que pareca, seguimos girando em torno do velho debate sobre o modelo de desenvolvimento.

Não sou contra o velho e nem contra o debate. Aliás, acho que é esse mesmo o debate. O que acho espantoso é a ausência de propostas. Há 20 anos atrás elas foram mais claramente postas à mesa.

Talvez a ansiedade seja produto do período tenso que geralmente precede às grandes mudanças, às rupturas, a superação de paradigmas.

E a pergunta, afinal, é: e qual o modelo que seguimos até aqui? Fizemos certo ou errado? Foi bom ou ruim? E que modelo deveríamos ter seguido?

Fonte: Cultura e Mercado

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